Gustavot Diaz
O “CORPO HUMANO NA ARTE”: COMO (E POR QUE) DESENHAR? (II)
O essencial é saber ver. Saber ver sem estar a pensar, Saber ver quando se vê, E nem pensar quando se vê, Nem ver quando se pensa. Álvaro de Campos
Toda técnica do desenho, em seu sentido pragmático, está contida nos próprios materiais expressivos e só se é possível realizar seu objetivo expressivo através do uso adequado destes materiais. Por exemplo, a maneira como eu aponto meu lápis – início indispensável do qual toda a prática depende – determina minha postura diante do suporte. E este, por sua vez, é condicionado à escolha do lápis.

Fábio Magalhães, “Onde moram os devaneios” | óleo sobre tela, 2013
Mas o fato é que muitos desenhistas têm uma preocupação excessiva, quase obsessiva com a técnica em si mesma; e a arte não está aí.
Quando criança, achava que o mais importante era aprender o que chamávamos a “pegada” de cada coisa: o carvão tem certo “jeito de pegar”; o grafite outro, e assim por diante. Lembro-me de observar muito as mãos de meu mestre – do mesmo modo que um estudante de violão concentra o olhar na mão esquerda do violonista. Mas existe algo além da técnica: a poiesis (na metáfora musical, poiesis seria o que a mão direita realiza; ela é quem dá ritmo às notas). Quando a arte se limita a um debate técnico (“qual lápis devo usar?”, “como faço essa textura?”, etc.), ela se reduz a um insípido tecnicismo, com amplo prejuízo do significado.

Graydon Parrish, 2001 | Tragedy (grafite sobre papel)
Sempre ouço com irritação perguntas do tipo: “quanto tempo você levou para fazer esse desenho?”, “que papel é esse?”, “qual material você usa?”. São preocupações legítimas no início de nosso aprendizado; mas não passam daí. Materiais expressivos só produzem significados quando expressam pensamentos, reflexões; esses são o verdadeiro objeto da arte.
O ponto de corte entre “arte” e “ilustração” – ou os comics e HQ’s como se diz na língua dos ilustradores (que parece ser o inglês), não está no “como” um desenho é feito, mas no “quê” ele diz.
Desenhar é “desver”, e para isso não há técnica. Certos métodos ajudam a visualizar; mas para desconstruir os estereótipos e imagens mentais que estruturam nossa impressão sensível do mundo não existem dicas. Esse “desver” é uma categoria ativa do pensamento, de difícil aplicação, que não depende da execução repetitiva de procedimentos metodológicos.
Após séculos de aquisição e domínio técnico, é uma dimensão “conceitual” do desenho que fica por se recriar. Em contrapartida, nenhuma mensagem pode se reduzir à intenção. Assim como a técnica não constitui condição única para realização artística, tampouco o anseio, a vontade de comunicar (o “conteúdo manifesto”) pode dizer sozinho, sem amparo da técnica. Se as palavras não podem ser articuladas fora da língua, para as artes plásticas as “ideias” não existem sem que se situem na plataforma da linguagem visual.

Amy Judd, 2011 | “Funny Face” (óleo sobre tela)
Quando temos pernas e sabemos andar, o desafio é saber aonde ir…
Segunda parte do conteúdo ministrado no Workshop “O Corpo Humano na Arte: Como (e por que) desenhar?” (Joinville, 15, 16 e 17 de Janeiro de 2016, Conservatório Belas Artes)
imagem da capa | MICHAEL REEDY, 2015. “let’s go” (mixed media sobre papel)