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  • Foto do escritorGustavot Diaz

[PROCESSOS POÉTICOS 4ª ED] “MÓDULO 3”: PRIMEIRA AULA | NARRAÇÃO FIGURADA E IMAGEM NARRAT

“Por mais evidente que pareça ser seu “grau de similitude”, uma pintura realista é necessariamente convencional. O manejo das cores, por exemplo, passa pela consciência de que não se trata de cor vista (que é luz, não pigmento), da mesma forma que uma palavra não se assemelha, visual ou foneticamente, ao que ela designa. Toda semelhança é arbitrária. E a pintura começa quando deixamos de ver semelhanças e passamos a ver acidentes, algo como uma gota que, ao escorrer no papel, faz alusão a uma silhueta, um rosto, uma flor. É assim que uma pintura se torna realista, mas vê-se com clareza que ela não o é desde o início, que a figuração é apenas um resultado possível. Tal resultado, por sua vez, depende uma eventual narrativa, exatamente como os borrões de tinta devem ser lidos nos testes de Rorschach: conta-se não o que se vê, mas o que parece se passar no plano pictórico e o que se supõe ocorrer nos olhos de quem o observa. MARCOS BECCARI. In. Antirrealismo: uma breve história das aparências. Curitiba: Kindle Direct Publishing, 2019, p. 6-7.)

KUMI YAMASHITA “Clouds”, 2005 | placa de alumínio, sombra e fonte de luz

Num breve apontamento, a psicanalista e teórica Tânia Rivera[1] dirá que Freud “vasculha as imagens na dinâmica psíquica por meio dos relatos dos sonhos e das recordações da infância dos pacientes. Ele observa que a imagem é, simultaneamente, encobrimento e vislumbre do desejo que move o sujeito”. Onde ela encobre, assume a forma fantasmática de um disfarce substitutivo do desejo; onde o vislumbre, o desejo se apresenta (como no caso do sonho da criança em chamas), mas é intolerável. “Paradoxalmente, apesar dessas imagens possuírem grande acuidade perceptiva, seu referente nunca aconteceu de fato”, arremata a autora. (idem) Ao desconstruir a percepção determinista da arte como significante de um referente externo ou expressão meramente mimética de representação do mundo, a psicanálise nos oferece uma ferramenta imprescindível à compreensão da Figuração Contemporânea:

O inconsciente incide sobre a imagem de maneira tão intensa que sequestra dela qualquer possibilidade de correspondência direta com o referente.  Assim, o inconsciente problematiza fortemente o caráter mimético da   imagem. (…) A noção freudiana de “figurabilidade” [rompe] com o conceito clássico de representação, [o que] atinge nosso olhar sobre as imagens da arte. (DIDI-HUBERMAN[2])

Este último conceito, figurabilidade – fusão entre representação e opacidade que designa a imagem onírica como portadora de uma dupla natureza e função (“produzir tanto a transparência quanto a opacidade”), define uma condição da imagem para além da representação, que pode ser estendida às imagens da arte contemporânea, especialmente na categoria figurativa que nos interessa trabalhar aqui. Trata-se de considerar a “anamorfose” imaginária gerada pelo inconsciente quando nos debruçarmos sobre as imagens, o que potencializa “a rasgadura, a perfuração das imagens, a torção das representações” (Didi-Huberman, idem)

TIM BOBLE e SUE WEBSTER

Tais aportes da psicanálise foram melhor desenvolvidos durante os encontros do último conteúdo de nosso curso e subsidiam o módulo presente poéticas da Figuração Contemporânea. Começamos com o estudo de como se dá a experiência visual; passamos, então à análise da constituição do sujeito da experiência, e com auxílio da Psicanálise chegamos à conclusão do Programa, com três objetivos: a) estudar como aquele sujeito implodiu na contemporaneidade (pós-estruturalismo); b) ver uma síntese representativa da produção contemporânea em Arte, e c) tentar formular uma compreensão desta produção.

Nossa primeira hipótese de trabalho é que tal figuração não é “representacional”. Ou seja, colocam em xeque o caráter mimético, sendo uma tentativa precisamente de minar a representação. Buscaremos, logo, um meio de compreendê-la para além do enquadre exigido pela tradição. A figuração hoje, de fato não é como as anteriores – não é o mesmo artista, nem o mesmo modelo, nem a mesma forma.

A emergência da plástica nas categorias tradicionais da pintura, escultura, desenho, etc. que trataremos neste módulo não configura nenhum “resgate”, tampouco “retorno” à arte figurativa do passado; está, pelo contrário, inscrita na esteira da arte contemporânea, e oferece desestabilizações, questionamentos e articulações plastico-conceituais singulares, exatamente como ela – é por essa chave que acreditamos que deva ser lida.

(Os encontros ao vivo do Módulo acompanham uma extensa apresentação da produção mais significativa da atualidade no campo da figuração.)

ANTONY GORMLEY, “Lost Horizon I”, 2008 | Cast iron, each element (189 x 53 x 29 cm)

Narrativa

Retomando: aquela “opacidade” das imagens (eventualmente denominada de “espessura”) já fora percebida pelos artistas e conscientemente aplicada desde, pelo menos, o final do XIX, quando a noção de realismo fora problematizada. Eduard Manet, que alterava os procedimentos clássicos da volumetria chapando a figura em valores contrastantes, abriu caminho para o passo inevitável de Cézanne com sua recusa da perspectiva brunelleschiana – ruptura que o conduziu a duas grandes conclusões: percebia, enfim com enorme clarividência que uma pintura é uma pintura (a imagem media nossa relação singular com o mundo, não o “representa”, antes “apresenta uma versão subjetiva” valendo-se da linguagem visual); e também que a tinta possuía em si mesmo materialidade que fala por si só, para além de qualquer metaforização ou sentido mimético (eis a opacidade e espessa). Tais conclusões, como se sabe, marcaram profundamente toda a pintura do século XX.

Veremos sucintamente em algumas imagens como isso se desdobrou, desde a produção criada a partir da perspectiva de Brunelleschi até o corte de Paul Cézanne, que deu origem a outra lógica expressiva… (Conteúdo desenvolvido em aula e registrado em vídeo)

Para bem avaliarmos a enorme importância desta disputa interna na arte entre a figuração e seus limites, apresentaremos na sequência uma tese extremamente esclarecedora, proposta pela historiadora inglesa Frances Stonor Saunders. Antes, porém, devemos considerar uma dimensão ambígua da imagem figurativa: a oposição “linha X cor”, que compreende a figuração como narrativa, em oposição à cor como páthos dependente de interação presencial (conteúdo desenvolvido em aula e registrado em vídeo; para ter acesso, entre em contato para consultar disponibilidade e valores).

NICK KNIGHT

 

[1] Cit in “Pensar as imagens das artes visuais com a psicanálise: uma conversa entre Didi-Huberman e Tânia Rivera”, no site: https://revistas.pucsp.br/index.php/leituraflutuante/article/view/53950/pdf

[2] Idem

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Capa: TANIA FONT, “Deconstrucció VIII” | cimento, ferro, fusta, papel, cerâmica e sílica

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